Misel acabara de limpar a casa quando chegou a carta. Viu de quem era e olhou ressabiada. A discreta repulsa a exauriu.
Pousou o escrito na mesinha coberta pelo linho mais querido. Sentou-se a beira, numa poltrona ideal para o pousio. Adormeceu por duas horas, acordou assustada e deu conta das obrigações; partindo ao banho.
Retornou com o frescor da lavanda exalado pelas costas dos ouvidos. À frente do fogão, Misel manipulava o bule com a água quente a compor o chá do que encontrasse primeiro.
Sem se esquecer um instante do que haveria na carta, os motivos da redação, o estado do filho… Misel desatou a pensar.
— Não abrirei. Aposto que a dobradura lhe tomou mais atenção do que o conteúdo, murmurou Misel.
Quem será Lesí? Perguntava-se sempre. Sabia do menino doce e acanhado, tal como a mãe, que saíra sem mais voltar, aos doze anos.
Motivos não lhe falatava para repelí-lo. Embora se perguntasse, como odiaria um filho. O seu desalento atribuía a falta de notícias.
A contar com poucas e breves cartas a anunciar apenas a sua existência, sem um mínimo de vida. As cartas não recebiam respostas porque não havia aonde enderecer. Perdera o filho querido, sem saber como encontrá-lo.
Desde então, Misel enrugou a própria viveza, destinando-a aos móveis. Nada poderia conter o brilho que lhes devia.
Dias depois…
A leitura da carta a tomou em arbítrio. E a fez.
Mãe,
Deixe que eu a leve.
Penalizo-me ao não entar.
Não consigo.
Sinto falta do teu carinho.
Aquele que tens atribuído a vossa casa.
Envergonho-me ao assumir, mas não consigo.
Venha comigo. Dê um sinal.
Seu filho,
Lesí.
Misel precisou assenta-se, as pernas bambas a estremeceu; as mãos trêmulas endossavam o sobressalto.
Segurava a carta ainda sem acreditar. Pela primeira vez, após a partida, o filho demonstrou afeição.
Conter as lágrimas pareceu impraticável para uma mãe solitária. Precisou aguardar por um tempo até restituir as forças e recompor-se.
Seguiu a passos tontos rumo ao banheiro. Lavou rosto, encarando-o através do espelho. O que deverá fazer, perguntava sem perceber a própria fala.
Imagem (editada).
Continua…
‘Ninguém ingressa no mesmo rio duas vezes, porque as águas e o banhista mudam’.
Fui tomada pelo monstrinho da criação, não sei bem como Heráclito rodeava a mente.
O modo de ser das coisas, segundo pensou, basea-se na tenção de forças opostas rumo ao equilíbrio, um constante inconstante.
Aguarde pelo retorno da antítese e síntese.
Até logo!